Paradigmas Definitivos
Alterando as formas e moldes, reafirmando o humano e o irrefutável.
Editores: Gianpaolo Celli e
Richard Diegues
Revisão: Camila Fernandes
Projeto Gráfico: Richard
Diegues
Capa: Verena Peres
Diagramação: Richard Diegues
Vários Autores
Foi difícil imaginar o que a
leitura de “Paradigmas Definitivos” me traria, e do mesmo modo, durante sua
leitura essa incógnita se manteve presente.
Eu não li nenhuma das obras
que antecederam a está edição definitiva, porém, qualquer pesquisa rápida ou
até a apresentação do livro irá dizer que “Paradigmas Definitivos” reuniu os melhores
contos das suas edições anteriores, “Paradigmas I, II, III e IV” junto a contos
inéditos. Assim, essa chamada aumentou e muito meu nível de critério na leitura
e, inclusive, agora enquanto escrevo essa resenha.
Então, falarei primeiro da
aparência do livro. A diagramação é linda, muito bem trabalhada, repleta de
detalhes que até me lembraram um pouco o estilo barroco, cheio de adornos, mas
nada disso deixou o livro visualmente pesado, podemos dizer que está no equilíbrio
entre o necessário e o belo. A capa é fabulosa, e só da pra perceber sua
grandeza com ela em mãos. As cores (adoro azul), os contornos, contrastes, o
brilho é de uma peculiaridade e equilíbrio impecável. Parabéns ao Richard e à Verena, é uma das mais
belas capas que já vi, que instiga sem revelar, que provoca em alto nível, e
hipnotiza sem que nos roube os sentidos.
A revisora Camila Fernandes
também merece os parabéns à parte. Não só pelo bom trabalho, mas porque imagino
como deve ter sido árduo zelar por estilos tão diferentes entre si, complicados
ou simples, mas únicos.
Agora, aos autores e contos:
Cristina Lasaitis
Sinfonia para Narciso
Aqui, o irreal e fantástico
parecem habitar o mundo dos pensamentos (racionais ou não). Um conto bastante
intimo (em relação ao personagem) com coadjuvantes bem posicionados e muito
atrás do protagonista, dando na construção do conto uma materialização da ideia
de personalidade egocêntrica do personagem. Ele é mais uma passagem do que um
acontecimento. Quase cotidiano e cheio de melodia.
Richard Diegues
Uma Flor a Gambô
Vindo do universo “Cyber
Brasiliana”, romance do autor, é possível se confundir um pouco com as
diferentes personalidades presentes. Porém, toda a preciosidade e cuidado e
profunda construção se mostram presentes do começo ao fim. Um conto do tamanho
certo para chocar e tocar em feridas abertas de hoje e que podem se manter para
sempre. Aqui, a ideia de “paradigma” se desdobra, não sei se intencionalmente.
Primeiro pois com a construção da história e finalização, ele causa uma real
surpresa, que em verdade, sustenta um cruel mito à cerca de uma das doenças
mais cruéis e que nos causam, como sociedade, ainda grande preconceito.
Alliah
Moleque
Já li outros contos desta
autora em antologias que, inclusive, resenhei , são elas “Cursed City” e “Deus
Ex Machina”. E quando me debrucei sobre “Moleque”, fiquei muito surpresa com o
que li. Neste conto Alliah conseguiu unir com perfeição sua grande criatividade
e construção ornamentada junto aos mais profundos sentimentos (e gigantescos
erros) humanos. Ela construiu dois cenários surreais, profundos, escrotos e
fétidos, junto à personagens fantásticos feito alegorias dantescas, desprovidos
de suas máscara míticas e véus oníricos, e entregues à imundice física ou
corrupta. E tudo isto acompanhando pela perda da inocência. Um conto de se
aplaudir.
Jacques Barcia
Vento, Seu Fôlego. O Mundo,
Seu Coração
Contos onde a ação predomina
não são meus favoritos. Esse tipo de "batalha" muito bem detalhada,
quase à exaustão, sempre me parece um capítulo de uma história maior, do que
uma história completa. Mas deixando o gosto pessoal de lado, há aqui a personificação
de eventos naturais em sentimentos humanizados, feito deuses. Na busca pela
sobrevivência uma infinidade de pensamentos se somam, entre sacrifícios e
outras escolhas. Repleto de referências indianas que enriquecem na forma e para
quem os conhece, no entanto, aos mais leigos, resta procurar as fontes ou
entender a historia pulando os nomes "complicados".
Saint-Clair Stocker
Kandahar
Uma atmosfera nostálgica com
um fio de jovialidade constrói o cenário onde vive o personagem narrador (um
tanto quanto inusitado) que nos conta sua uma breve história cheia de
sinceridade e quase desdém, à cerca de curiosos fatos cotidianos, são a graça
da narrativa. Aqui também é possível suspeitar que aquele que está em primeira
pessoa é, na verdade, outro alguém. Imagine que você se passa por outro, e
conta algo que aconteceu em sua vida, à partir do ponto de vista deste que você
assumiu. Essa é, por sua vez, o tipo de ideia de quebra que faz jus ao nome da
coletânea. Um conto lindo, meio romântico, eloquente, sinuoso, irônico, com
requintes chaves de crueldade e arrogância. (Um dos meus favoritos).
Camila Fernandes
Em Berço Esplêndido
Dotada de uma escrita
deliciosa dividida em dois tipos de narrativas que se intercalam, uma em
primeira e outra em terceira pessoa, uma mais ritmada e poética e lúdica, outra
em prosa, descritiva, porém onírica que, aparentemente, em nada se conectam.
Falando sobre a que está em terceira pessoa, ela é quase uma aula de geografia
sobre os arredores de uma cidade do interior. Uma descrição lírica e minuciosa
muito semelhante à lembranças íntimas de um local querido. As palavras
escolhidas tem brilho próprio dentro da composição. O final é belo e mágico,
refletindo uma grande surpresa. Aqui a inovação e quebra de parâmetros como o
que e como contar parecem ter norteado a obra. Fabuloso conto. (Também um dos
meus favoritos).
Adriana Rodrigues
O Diamante Laranja
Este conto tem no ar o
suspense digno aos mistérios policiais (de antigamente, vamos dizer assim),
feito os que permeiam a obra de Agatha Christie, utilizando principalmente a
astúcia para o final da investigação. Aqui, também, o mundo é um outro. A
autora criou um universo paralelo regido por magia onde se desenrola o
"crime" - que não é o foco da história -, e para não perder a
dificuldade de solucionar o caso, ela anula essa mesma magia propositalmente.
Os personagens são "personagens tipo" sem aprofundamento ou traços
adversos de personalidade e atitudes, tendo fortes e poucas características
pessoais. Um conto divertido, mas que não diz muito além disso.
Ronaldo Luiz Souza
Reminicências de um Mundo
Verde
Aqui, história pessoal e
mundial se mesclam em nostálgicas lembranças de um planeta já morto. O conto
que nos é oferecido em dosagens de pensamentos cheios de curvas, conquista
desde o principio. Do micro ao macro, é uma história de perspectiva, de pontos
de vista e de seguir em frente. Um grande final e uma escrita primorosa, onde a
importância dada, nem sempre, tem haver com o tamanho que possui.
Ubiratan Peleteiro
O Fazedor de Terra
Uma história tocante, daquelas
que mudaram algo em mim, de dentro para fora. Para começar há a transformação
constante de quem é (ou como é) o narrador. A cada momento uma pista é dada a
fim de desvendar esse fato. Aqui, o autor traz uma organização tribal mantida
por regras e paradigmas desse grupo. Todo o tempo ele contesta sobre os motivos
de seguir convenções que deixam de fazer sentido com o passar do tempo e as
mudanças inerentes a ele, em um lugar onde se respiram as injustiças, pelo ar da descriminação ou
crenças infundadas. Há a dor dentro de um seio familiar, a apatia que opta por
uma batalha já perdida antes de ser iniciada, e do outro lado, os desejos
utópicos de um pensador revolucionário que busca mudar as falhas dos que estão
ao se redor. Uma história linda sobre sonhos, e um cenário improvável. (Também
entre os favoritos).
Flávio Medeiros
Efeitos Adversos
Outra história sobre pontos de
vista, em que, um dia normal, tornar-se um aglomerado de mudanças, lembrando-me
da obra “A metamorfose” de Kafka, porém, neste conto, de um modo mais veloz,
explosivo e cheia de energia e agonia. A confusão que toma conta do
protagonista chega a criar vertigens através das imagens narrativas onde o teor
cientifico fica a cada momento mais latente. E quando finalmente acaba, é outra
coisa e nada do que foi imaginado. O lugar é outro, o tempo é outro neste texto
em que clímax e desfecho são apenas um.
A história cresce todo o tempo e de forma maravilhosa cumpre o que
promete.
M. D. Amado
O Pão Nosso de Cada Dia
O conto curto, de narrativa
direta feito um “pensamento matinal” é a chave para dar veracidade no que a
história pede. O improvável, ou melhor, o bizarro e cruel aqui é parte de uma
rotina simples e inabalável para o “narrador”. Encerra nos deixando com uma incógnita, mas não há mais nada além. É cru, simples e desdenhoso com as
atitudes do personagem. Até assusta a simplicidade e "normalidade" da
narração, diante o ocorrido e no faz engolir a constatação “é bem assim, mesmo”.
Ludimila Hashimoto
O Mágico
Misticismo e vida
extraterrestre se confundem, da mesma forma que fantasia e cotidiano se encontrarão. Ele flui de uma maneira um tanto entroncada,
muito mais pelo vazio da vida fútil da personagem principal do que pela
escrita. A autora tece a história sem que se saiba para onde vai ou o porque é
contada, mas o final é surpreendente. Como se uma única peça de um jogo de
quebra-cabeça fosse o suficiente para dar a luz ao sentido de todo o enredo.
Sandro Côdax
Barquinhos de Papel e Outros
Origamis
Aqui o autor nos fala sobre
paredes. As barreiras da mente (e do medo), que nos fazem erguer muros
concretos. O conto demora um pouco para surtir efeito no desenrolar das frases,
mas ganha no que toca o sensível, perante a solidão e o inevitável. A história
amadurece com o personagem. De uma beleza singela e triste, reflete sobre o
destino, consequências, passado e o “eu interior”.
Gianpaolo Celli
O Cavaleiro e o Senhor do
Inverno
Um conto que começa muito
rápido – causou-me certo incomodo inclusive -, e da mesma maneira ele nos ganha
pelo “interior”. É quase sensorial sua absorção de tal forma suave que a aventura “cavalheiresca” é desenvolvida.
Quase um conto de fadas, deixando dentro de nós uma espécie de semente mágica,
plantada na memória. O final explica o começo rápido e um tanto improvável,
amarrando qualquer ponta solta que tenha ficado no caminho.
Alexandre Heredia
O Cegonho
Se eu pudesse, ou fosse menos
educada, começaria a falar desse conto com um palavrão (aquele repleto de
pontos de exclamação no final). Ele é simplesmente incrível. Escrito feito uma
conversa, frase após frase, surge uma história maluca e surpreendente. Aqui um
grande segredo rege a narrativa que é contata muito naturalmente de um
personagem ao outro, sem arabescos parafraseados ou metáforas, nem mesmo
preparação para o leitor ou o personagem ouvinte.
Leonardo Pezzella Vieira
12 Vidas
É aquele tipo de história que
quebra todas as barreiras e formas imagináveis. O cenário é único, com certo ar
de incredulidades simplistas e casuais (sim, é dúbio, eu sei). Todo o conto
parece ser um cotidiano improvável e estranho. Os personagens, moldados também
pelo cenário, são pessoas comuns vivendo sob a influência de raros
acontecimentos que nos despertam para muitas possibilidades de vidas possíveis,
diferentes da nossa, sem que se anulem. A narrativa quase casual é o toque perfeito.
Rober Pinheiro
De Traição e de Sombra
Um conto de ação, de sensações
extremas à flor da pele, onde a história divide-se (ou se constrói), entre
sangue e luta. O “spin-off”, como diz o autor, é incrementado por nomes de um
universo muito maior. De narrativa detalhada e primorosa, fala sobre demência e
ambição.
Carlos Abreu
A Tal Aranha-da-Lua
Noir. Essa palavra na
descrição sempre traz um sentimento de diferente, fora do padrão, feito um
cheiro agridoce. É feito um dia cotidiano, em um lugar único, tanto mágico
quanto trágico e farsesco. A narrativa é excelente e mesmo sem surpresas no
desfecho, o desenrolar dos fatos, o como é feito, e o meio pelo qual o conto
vive, é apaixonante. Um conto que fala muito mais sobre a passagem, do que sobre
o fim, e particularmente, eu gosto.
Gabriel Boz
O Deus de Muitas Faces
Um dos melhores contos. Narrativa
bem construída, amarrada, cheia de apreensão e tensão, tocando assuntos sérios
como o poder e sua sucessão, revelando que toda a força está no conhecimento e
no esforço. Do mesmo modo também cria (denuncia) a lógica de que, através do domínio
do conhecimento guarda-se o privilégio da liderança e “status”. Aqui, a
fantasia está muito próxima da religião com direito a adequação de caráter.
Bruno Cobbi
O Mendigo e o Dragão
O ponto forte do conto é a
alteração de estilos de narrativas presentes, discriminando cada personagem. A
história é contada sobre diferentes pontos de vistas, e a soma deles é que diz
ao que ela veio: uma fantasia incluída na imundice social de drogas, corrupção,
polícia, politicagem e justiceiros. Ação todo o tempo em uma trama bastante
policial onde o lado bom e ruim se chocam, misturam, ou buscam controlar, tanto
de dentro pra fora, como de um lado ao outro.
Hugo Vera
O Homem Bicorpóreo
Interesses políticos de uma
super potência, uma antiga colônia que agora, coloniza. Um tempo novo tendo
Marte como pátria, onde ciência e religião se confundem e se mesclam com o
propósito – articuladamente – econômico. Uma grande verdade em um texto
redondo, garantindo que não importa o local (mesmo no espaço) ou o tempo, o mal
do homem não muda.
Viviane Yamabuchi
De Vento e de Pedra
Uma história de amor, repleta
de metáforas, contada com a leveza de uma fábula. Porém, a parte negativa é que
é frequente a repetição de situações, tornando cansativo o que teria um efeito
até mais positivo, ao ir direto ao ponto. Não há muito cuidado com as palavras
e frases curtas sentenciam, uma atrás da outra, ideias repetidas. O contexto
melancólico é belo e tocante, mas a autora poderia ter explorado melhor o que
ela desejava dizer e as mudanças de cada personagem, se tivesse poupado os
círculos de ações.
Osíris Reis
Queda
É muito bom quando um livro
acaba assim. Com chave de ouro. O verdadeiro “Gran Finale”. Apesar de não ser
fã de contos que são basicamente a descrição de uma batalha (já disse isso
nesta mesma resenha), devo confessar que este é fabuloso. Repleto de cenas que
hipnotizam do começo ao fim, ele levanta polêmicas, traz amores e relações
improváveis, e também homossexuais, sexo, magia, a força da natureza,
nascimento, garra, religião, hipocrisia, dominação, machismo, fé, e tudo de um
modo único, surreal, alucinado e frenético. Deixou-me de queixo caído. (Com certeza,
entre meus favoritos).
Perspectiva geral:
Há contos maravilhosos, e
outros, muito bem escritos, e alguns que não chegam. Mas visto que em uma antologia composta de
diferentes autores, o gosto pessoal influencia muito a pender a afeição mais pra um do
que para outros, isto não chega a ser uma problemática para a leitura de
"Paradigmas Definitivos".
Porém, a quantidade de contos
foi um agravo para levar a leitura ao término, principalmente porque a maioria
dos autores tem estilos peculiares e muito diferentes entre si, assim,
demora-se certo tempo para compreender e “pegar o ritmo” de um, e quando isto é
conseguido, outro totalmente diferente lhe é apresentado, e é preciso então
esforçar-se ainda mais um pouco para ler as notas deste outro tipo de compasso.
Com cuidado, preferi adiar a leitura do que, por dificuldade, desmerecer a obra
de algum dos escritores.
Este livro, me soa então, não
só como uma quebra de barreiras ou reafirmações de pensamentos dentro da
literatura, no desenvolver de uma história, mas também, na capacidade de
conduzir e contar e fazer ganhar forma de inúmeras maneiras possíveis, sendo
tanto através de metáforas, de rearranjos de palavras chaves, de perspectivas
diferentes, de imagens surreais e improváveis nos levando a um devaneio energético
e fora de qualquer padrão.
Não é uma obra fácil, e nem
para leitores iniciantes. E sim, ao meu ver, um livro para quem gosta do
exercício de leitura, do desafio que pode ser desvendar a ideia de um outro
(muitas vezes um estranho) através de peculiares sinais (os mesmo que agora
digito, e serão lidos). São estruturas de um código que pode ser remodelado ao
bel prazer de quem o domina (ganhando êxito ou não), mas que a busca de fazê-lo,
por si só, já é o que mais vale.
Caso, aqui, esse exercício de
ler seja realizado junto ao da reflexão, é impossível sair deste livro vendo o
mundo e a própria literatura da mesma forma. Um livro que abre horizontes aos
autores e aos leitores.
Um livro de imagens, de
poesia, para amantes da arte e da leitura, mas que precisam de, se não bagagem,
ao menos, muita vontade de compreender cada linha e entrelinha desse projeto.
Mulher, você quase fez uma dissecação da obra. Arrê, égua! Obrigado pelo carinho!
ResponderExcluirQue isso! Eu gostei muito do trabalho.
ExcluirE o prazer foi todo meu, não precisa agradecer não.
Olá Carolina! Excelente resenha. Sobre meu conto, você captou com detalhes exatamente o que quis transmitir e escreveu esse entendimento em um texto preciso. Muito bom que tenha gostado! Obrigado!
ResponderExcluirSeu conto é uma metáfora perfeita! Obrigada por elogiar a resenha e pela visita. Abraços.
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